Revista de Cinema: Aldo Baldin, Mariarrosa, Penna Filho e time black de futebol mostram no FAM a força do cinema catarinense

por Maria do Rosário Caetano

“Alguém já viu um diretor vestido de fraque (sim, aquele smoking arrematado por vistosa cauda) apresentando um filme num festival brasileiro de cinema?

Pois foi isso o que aconteceu no FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul). O cineasta Yves Goulart, catarinense radicado nos EUA, apareceu no palco do Cine Show Beiramar Shopping, vestido a rigor. O contraste se fez gritante, pois todos os presentes (cinema lotado por espectadores vindos de Urussanga, Blumenau e até da paranaense Foz do Iguaçu) vestiam-se com roupas comuns.

Esnobismo do encasacado Yves Goulart? Não, explicou ele ao apresentar o longa documental Aldo Baldin - Uma Vida pela Música”, um dos selecionados para a principal competição do FAM (a de filmes latino-americanos). Tratava-se — justificou — de ‘homenagem afetuosa’ a seu personagem, o tenor catarinense Aldo Baldin (1945-1994), que fez carreira na Europa, tendo a Alemanha como seu território-base.

E mais: o fraque fora cedido por Irene Flesh Baldin, viúva do artista, e responsável pela trilha musical do filme. O tenor, originário da mesma cidade onde 30 anos depois nasceria Yves (Urussanga, interior de Santa Catarina), usara o mesmo fraque em suas últimas apresentações.

‘Gastei 14 anos para realizar esse filme’, contou o diretor, formado em cinema no Rio de Janeiro. (...) Ele, em pessoa, desempenhou funções-chave no processo de produção: fez o roteiro, a direção de fotografia, a montagem, a produção executiva e a direção.

O resultado revela amadorismo? De forma alguma. Todos os testemunhos reunidos — de Isaac Karabtchevsky, Edino Krieger, Helmut Rilling, Hera Lind, Neville Marriner, Rolf Beck, Celso Antunes, Fernando Portari (são 34 no total) — são enquadrados com estilo e qualidade técnica. E nos fazem esquecer que ouviremos mais de três dezenas de ‘cabeças-falantes’, pois o cineasta conseguiu reunir rico material de arquivo.

O mais valioso deles é fruto de testemunho sonoro registrado por Baldin, num gravador, poucos meses (e dias) antes de sua morte prematura, aos 49 anos. De alta qualidade, também, são os testemunhos da viúva e de suas jovens filhas, Serena e Sofia, que eram crianças quando o pai morreu, vítima de ataque cardíaco. E valiosíssimo é o ‘material de cobertura’. Ou seja, os registros de apresentações de óperas e recitais dos quais o tenor brasileiro participou nos mais diversos palcos da Europa (em especial, na Alemanha, onde se fixou e morreu), Ásia (Japão), Oriente Médio (Israel), América Latina (Argentina e Brasil, com maior destaque).

(…)

Filmes sobre artistas (ou nomes que se destacaram na política ou na ciência) costumam gerar verdadeiras hagiografias. Ninguém quer falar mal de um morto. No caso de Aldo Baldin, que veio da pobreza, triunfou na Europa e morreu cedo, tudo nos induz a esperar pela cinebiografia de um vencedor, ‘apesar de todos os pesares’. Só que isto não acontecerá no filme de Yves Goulart, apesar dos 34 testemunhos elogiosos (31, se excluirmos a viúva e filhas). Mas o filme traz uma voz dissonante.

E quem é a voz crítica de Aldo Baldin - Uma Vida pela Música? A resposta, espantosamente, vem do próprio Aldo Baldin. Em depoimento franco, prestado ao próprio gravador — o material seria usado como base de pequeno livro autobiográfico, que a morte prematura o impediu de escrever —, o tenor consagrado lembra sua infância pobre, a família de nove irmãos (todos, fora ele, colonos-lavradores), os pais que o queriam padre (motivo de orgulho para uma família de imigrantes italianos) e nunca se interessaram pelo canto lírico, razão da existência do artista.

Para agravar — lembrará Aldo em seu testemunho — seu tipo físico não era o esperado para um tenor lírico. Era baixinho, careca, roliço. Em meio a tenores vistosos, altos e bonitões, ele parecia o patinho feio. Muitos queriam que Baldin se transformasse em um tenor bufo, aquele que desempenhava papéis cômicos nas óperas. Ele resistiu o quanto pôde, insistindo no canto lírico e dividindo-se entre a gravação de uma centena de discos e o magistério. Tornou-se professor dos mais respeitados. E manteve-se distante do registro bufo.

(…)

Aldo Baldin - Uma Vida pela Música é um documentário de construção clássica, mas que se faz ver com interesse. Afinal, apesar do minúsculo orçamento, foi feito com paixão e obstinação.”

Revista de Cinema: Aldo Baldin, Mariarrosa, Penna Filho and the black soccer team show the strength of Santa Catarina cinema at FAM